Por que estudar hebraico, aramaico, grego e as linguagens relacionadas com a Bíblia? B. F. Westcott, erudito inglês do Século XIX dizia que viver das opiniões dos outros é tão perigoso quanto viver do dinheiro dos outros – os muitos empréstimos acabam levando à falência.[ii] Ouvir, ler, estudar, examinar e ensinar a Bíblia utilizando apenas as traduções, por melhores que sejam, ainda é basear-se nas “opiniões de outros”, é viver de empréstimos.

O poeta judeu Haim Nachman Bialik disse: “Ler a Bíblia por uma tradução é como beijar sua noiva através de um véu.”[iii] Claro que ler a Bíblia em uma tradução é melhor que nunca ler a Bíblia de modo algum… Mas falta muita coisa. Até as melhores traduções acabam por velar o que o texto original quer (re)velar.

Em outra metáfora: quem lê na Bíblia numa tradução é como alguém que assiste a um jogo de futebol em uma antiga TV preto-e-branco – quem lê nos originais vê o jogo em cores! O resultado do jogo, em termos práticos, será o mesmo: o placar final não será alterado, mas a experiência de quem assiste é completamente diferente. Os detalhes do gramado, dos jogadores, da torcida, enfim, tudo é muito diferente.

O professor Guy N. Woods disse que o esforço de traduzir o texto de uma linguagem para outra é comparável a tocar no violino uma música que originalmente foi feita para ser executada no piano.[iv] As notas serão as mesmas – a melodia será reproduzida; mas, aquilo que é próprio da composição original para o piano, que vem da arte do compositor, será perdido. O arranjo para violino pode ser belíssimo e valioso, mas é inevitável que se mudem os efeitos e que alguma inovação aconteça.

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Devemos agradecer os tradutores por sua erudição e esforço em disponibilizar a mensagem sagrada em nossa linguagem. A tradução da Bíblia é uma necessidade ligada ao mandamento de pregar o evangelho a todos os povos ou nações. O uso das traduções bíblicas é único modo de fazer discípulos e de fomentar as comunidades de fé. Contudo, sem o (re)estudo dos originais perde-se a riqueza e a profundidade, os gostos e os aromas, os trejeitos e as particularidades que se obtêm da leitura dos originais hebraicos, aramaicos e gregos.

Abrir a Bíblia em hebraico, aramaico e grego é um choque de realidade! Caímos na real! A Bíblia não foi escrita em português… não foi escrita para o nosso tempo… e não foi escrita para nós: chocante! A linguagem original, com sua grafia exótica e sua sonoridade estrangeira e, no caso do hebraico, escrito e lido da direita para a esquerda, retiram do leitor a impressão de que ele domina o texto e conhece seu conteúdo. Lendo o texto hebraico, aramaico ou grego da Bíblia, percebemos a distância linguística, cultural, histórica que nos separa do texto antigo.

As línguas originais nos convidam a um novo exame, recomendam repensar e reavaliar a pré-compreensão e a tradução tradicional. Estamos sempre lendo de novo, aprendendo de novo, conhecendo de novo. Em grego, um verbo para “ler” é anagnoskein, que também significa “(re)conhecer, conhecer” ou ainda “examinar, discernir” e, finalmente, “aconselhar, persuadir”.[v] As línguas originais nos ajudam a fazer uma leitura como (re)leitura, (re)conhecimento, (re)exame para finalmente produzir uma persuasão e um conselho.

Desta forma, estudar hebraico e outras línguas bíblicas não é um luxo ou sofisticação: é uma necessidade. Nenhuma tradução tem tudo, nenhuma tradução é perfeita, nenhuma tradução é valida para todas as gerações e grupos sociais. Além disto, toda tradução envolve interpretação e mediação dos sentidos. Nossa leitura dos originais também será apenas mais uma leitura: nunca é definitiva, absoluta ou final.

A constante consulta aos originais nos convida à humildade. Podemos aprender dos esforços dos outros, consultando suas traduções, mas também podemos participar da luta e do esforço de tornar clara a mensagem que os originais carregam com uma inesgotável reserva de sentido. Cada geração cristã precisa (re)tomar os originais para (re)ler os textos na nova realidade.

Por quê estudar Hebraico? Para que, através de  uma experiência transcultural e transhistórica, vivenciemos uma experiência transcendente e transformadora.

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[i]     Professor e membro da diretoria do Seminário Teológico EBNESR. Teólogo. Doutorando em Ciências da Religião, UNICAP; Mestre em Letras Clássicas (Grego), USP.

[ii]    Citado por FIELDS, Lee M. Hebrew for the Rest of Us. Grand Rapids: Zondervan, 2008, p. xii.

[iii]    Citado em  <http://christian-intellect.blogspot.com/2011/04/kissing-through-veil-thoughts-on.html> Acesso em 28 abr 2021

[iv]   WOODS, Guy N. How to Read the Greek New Testament. Nashville: Gospel Advocate Co., 1984, .p. 10.

[v]    MALHADAS, Daisi; DEZOTTI, Maria Celeste Consolin, NEVES, Maria Helena de Moura (Coord.). Dicionário Grego Português [α-δ]: Vol. 1. Cotia: Ateliê Editorial, 2006, p. 57.