No livro de Juízes, na narrativa sobre Jefté, ocorreu um episódio que chama atenção para uma das curiosidades sobre a língua hebraica da Bíblia. Os homens de Efraim atravessaram o Jordão e foram guerrear contra Jefté e os homens de Gileade. Os efraimitas perderam a luta. Restava-lhes retornar para suas casas, mas precisavam cruzar o Jordão nos pontos de travessia. O exército vitorioso de Jefté, posicionou-se nestes pontos para impedir esta fuga.

Como descobrir quem eram os inimigos deste exército derrotado, já que todos eram israelitas? O teste foi simples (Juízes 12.6 – NAA). Eles ordenavam: “Diga: Xibolete!” (שׁבּלת) Por algum regionalismo, os efraimitas diziam “Sibolete!” (סבּלת). Em hebraico, existe diferença entre a pronúncia das letras “shin” (שׁ) com som chiado de “x” ou o som do “samek” (ס) que é como o nosso “s”. Nunca uma “prova de pronúncia” da língua foi tão importante: quem não sabia pronunciar o “shin” era morto!!

A Bíblia Hebraica, ou seja, o nosso Antigo Testamento, exceto uns poucos textos em aramaico, foi escrita na língua hebraica que está repleta de aspectos curiosos e particularidades interessantíssimas.

Por que estudar Hebraico?

  • O hebraico usa um dos mais antigos alfabetos da humanidade – ele é anterior aos alfabetos gregos e latinos que usamos no Ocidente.
  • Escreve-se da direita para a esquerda – ao contrário de nosso modo.
  • O alfabeto hebraico é composto apenas de consoantes – as vogais são introduzidas apenas pela memória do leitor.
  • Os textos da Bíblia Hebraica receberam, na Idade Média, os chamados Pontos ou Sinais Massoréticos, para assinalar as vogais e detalhes da pronúncia do texto consonantal.
  • Uma particularidade da língua hebraica, como língua da família semítica, é a abundância de sons guturais, ou seja, sons produzidos na garganta, e que envolvem quase sempre, movimento de ar mais ou menos intenso. Alguns destes sons são difíceis de pronunciar para quem não é um nativo na linguagem.

A linguagem e a vida de um povo condicionam-se reciprocamente. Muitos elementos da linguagem decorrem da nossa cosmovisão e vice-versa. No Ocidente, nos sentamos à mesa, mas no Oriente Próximo Antigo, eles se reclinavam à mesa (praticamente se deitavam em divãs ou em esteiras no chão). A diferença vem dos costumes alimentares.

Agora imagine vastas áreas onde o modo de compreender o mundo pelos antigos hebreus, seja diferente de nossa forma. Um exemplo disto será ilustrado nos termos para designar os chamados “pontos cardeais” para quem se orienta no espaço geográfico.

Nós, brasileiros, herdeiros da cultura ocidental, e também participantes de um mundo de tecnologias, nos orientamos pelo “norte magnético”. Lembro-me de, quando escoteiro, ser instruído a localizar o Norte Magnético com a bússola e postar-me de frente para ele. O resultado é que:

  • o Norte ficaria na minha frente,
  • o Sul, nas minhas costas,
  • o Leste na minha direita,
  • e o Oeste na minha esquerda.

Mas um israelita antigo, que nada entendia de magnetismo terrestre, usaria os seguintes termos, que se percebe pelo hebraico bíblico. Ele olharia para o nascente do Sol, o Oriente, e o resultado seria:

  • o Leste ficaria na frente da pessoa: a palavra hebraica para leste é “frente” (qéden);
  • o Sul ficaria à direita da pessoa: a palavra hebraica para sul é “direita” (yamin);
  • o Norte ficaria à esquerda da pessoa: a palavra hebraica para norte é “esquerda” (semo’l);
  • o Oeste ficaria nas costas da pessoa: a palavra para oeste pode ser “mar” (yam) ou “poente” (ma`arab).

Veja que para quem fica na Palestina e olha para o Oriente, para o sol nascente, ele terá o mar nas suas costas. O norte é a esquerda e o sul é a direita. Foi isto que Abrão propôs para o Ló, quando falava de escolher ir para a direita ou esquerda em Gênesis 13.9 – ir para o norte (esquerda – semo’l) ou ir para o sul (direita – yamin). Eles não podiam ir para o Oeste, pois o mar (yam) impediria o caminho. Infelizmente, Ló escolheu ir para a “frente” (qéden), ou seja, para o Oriente, na direção das cidades pecadoras de Sodoma e Gomorra (Gn 13.11).

Contudo, o que queremos compartilhar neste momento é que as palavras usadas pela Bíblia hebraica não constam apenas expressões em outra língua, mas retratos de uma cosmovisão diferente. O uso de expressões idiomáticas e todo tipo de hábito linguístico próprio, recomenda o estudo cuidadoso do hebraico bíblico para compreender não apenas a língua, mas a cultura e o pensamento de um povo.

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